terça-feira, 7 de outubro de 2008

Memória hospitalar azulada:




Lembro-me pouco do hospital, quase nada na verdade, lembro que fazia festas azuis com direito a docinhos e bolo de chocolate, que ia na lanchonete e separava pra mamãe todas as jujubas azuis de anís,(sempre odiei as de anís), tinha uma rampa espiralada, eu acho, grandes janelões de vidro, não sei porque sinto que a vista era linda, recordo vagamente uma espécie de terraço, o carpete era verde e confortável, um cheiro de casa, morei alí por anos, era minha casa, lembro dos exames, dos tampões e do s médicos, jamais esquecerei do medo, da paúra do bloco cirúrgico e da anestesia, o medo de morrer, de ver, e o de nunca mais ver nada, o gosto das lágrimas continua o mesmo, uma criança mimada chorava antes das cirurgias, ela ainda reside aqui, está presa, ou não, mamãe fez força todo o tempo pra que eu não sentisse nada, a idéia era passar por tudo como se o tudo nada fosse, mas é, o tudo mamãe é muito maior do que a senhora imagina, agora eu sinto, e o acumulo dos anos deixou o tudo cada vez pior, não você não me protegeria para sempre, e agora eu deixo a redoma de vidro que vocês decoraram tão bem para que eu vivesse confortavelmente inatingível, aqui está a minha escolha, quero ser superhumana, escolho sentir, atingir, e atingida ser, parece que foi ontem que perdi o balão azul (azul mamãe, a nossa cor preferida), posso sentir como naquele dia a cordinha escapando pelos dedos desta criança, (sim mamãe, ainda sou criança, pra compensar a infância que roubei de mim mesma) posso ver ele subindo em direção a clarabóia, é a mesma sensação de perda para sempre, ali o balão se tornou impossível, minha primeira grande perda, meu primeiro nunca mais, era azul, nossa cor preferida, tinha um nome, algo me diz que era inocência, mas minha memória anda me sabotando estes dias, e, lembro-me pouco do hospital...

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